Em
vez de tanques e armas, bits e computadores. É dessa forma que as
guerras estão sendo travadas no mundo cibernético. No dia 23 de abril, o
grupo de hackers Exército Eletrônico da Síria (SEA, na sigla em inglês)
ganhou destaque na imprensa internacional por invadir a conta no
Twitter da agência de notícias Associated Press. Com uma mensagem falsa
sobre ataques à bomba na Casa Branca, US$ 136 bilhões desapareceram de
Wall Street em apenas dois minutos. Na semana passada, relatório
encaminhado ao Pentágono pela Comissão de Ciência da Defesa dos EUA
aponta que hackers chineses tiveram acesso a projetos de mais de 20
armamentos, incluindo o famoso sistema de mísseis Patriot e o
helicóptero Black Hawk.
- É a ciberguerra. O uso de um conjunto de armas tecnológicas,
associadas à informática ou redes, utilizadas para causar prejuízos em
um alvo qualquer – explica o professor do Departamento de Informática da
PUC-Rio Anderson Oliveira da Silva.
Também na semana passada, uma comissão de defesa da propriedade
intelectual enviou ao Congresso relatório apontando que as perdas de
empresas americanas com ataques cibernéticos chega a US$ 300 bilhões por
ano, comparável ao volume das exportações americanas para os países
asiáticos. Na última sexta-feira, o chefe do Pentágono, Chuck Hagel,
afirmou que os EUA vão buscar entendimento sobre normas de conduta com o
governo chinês para enfrentar o aumento de ataques. Segundo Hagel, é
difícil demonstrar que as invasões cibernéticas tenham partido de um
“inimigo específico”, mas é possível rastrear o ponto de partida das
ações.
“Eu sou um combatente”, diz hacker
Em documento oficial divulgado no último mês, o Pentágono confirmou
que batalhas virtuais estão em curso no ciberespaço. O Departamento de
Defesa acusa explicitamente o governo chinês de estar por trás de
ataques a redes americanas para obtenção de informações confidenciais.
Segundo o relatório, “diversos sistemas de computadores ao redor do
mundo, incluindo os de propriedade do governo dos EUA, continuaram a ser
alvo de invasões, algumas das quais parecem ser atribuídas diretamente
ao governo chinês e militares. Essas intrusões se concentraram em
coletar informação”. Pequim nega envolvimento nas ações.
Por definição, as guerras cibernéticas são travadas entre Estados.
Por esse motivo, o diretor executivo de pesquisas da F-Secure, Mikko
Hyppönen, não considera as ações do Exército Eletrônico da Síria ou de
hackers autônomos chineses como uma ciberguerra.
- Não me lembro de alguém ter declarado guerra – explica.
Porém, não é essa a opinião de quem está por trás das ações. Em
entrevista por e-mail, o hacker conhecido como Th3 Pro, que se proclama
líder do Departamento de Operações Especiais do SEA, diz se sentir no
campo de batalha.
- Eu sou um combatente. Todos os sírios que se alistam e defendem o seu país na internet são soldados no ciberespaço – afirma.
O jovem de apenas 18 anos atua no grupo desde o início dos conflitos
internos na Síria, em 2011. Segundo ele, centenas de internautas sírios
se uniram ao SEA “para atacar inimigos na internet”. Os principais alvos
são agências de notícias que, na opinião do hacker, “publicam e
fabricam informações contra o país”. Este ano, o Twitter começou a
sofrer ataques constantes por ter fechado todas as contas do grupo.
O ataque à Associated Press no Twitter é considerado a maior ousadia
do SEA, mas as ações são diversificadas. De acordo com Th3 Pro, o grupo
já atacou sistemas de e-mail no Qatar, na Turquia e na Arábia Saudita, e
documentos secretos coletados foram enviados ao governo do presidente
Bashar al-Assad.
Outras empresas de mídia do ocidente também tiveram sites ou contas
em redes sociais comprometidos. O jornal britânico “Financial Times” foi
o último grande alvo, mas outros veículos como Reuters, BBC, Al
Jazeera, The Onion, “Telegraph” e “Independent” já foram vítimas do
grupo. O Human Rights Watch e a universidade de Harvard também foram
hackeados. Pelo volume e amplitude dos ataques, existe a suspeita de que
o governo sírio esteja dando suporte às ações, mas a acusação é negada.
- O governo não nos apoia. Nós temos nossos laptops, acesso à
internet e é nossa obrigação defender o país – afirma o jovem hacker.
Para o professor Anderson Oliveira, quando grupos, ligados a governos
ou não, começam a fazer ataques contra outros países, pode-se
considerar que eles estão em uma ciberguerra. Apesar de as ações do SEA
estarem concentradas na divulgação de propaganda, os riscos virtuais
devem ser tratados com seriedade pelos governos.
O caso mais famoso de ciberataque é o Stuxnet, vírus descoberto em
2010 desenvolvido para se espalhar livremente, mas atacar apenas um
sistema específico, utilizado pelo programa nuclear iraniano. Pela
sofisticação do software, especialistas afirmam que ele só pode ter sido
criado com o auxílio de governos, sendo os EUA e Israel os principais
suspeitos.
- É o que se especula, mas não é possível confirmar. Essa é uma das
características da ciberguerra: ela é silenciosa. Sem o custo do envio
de tropas, as armas cibernéticas podem gerar grandes prejuízos a ponto
de prejudicar populações. Você pode criar um apagão apenas com um código
malicioso, por exemplo – afirma Oliveira.
Exército monta centro de defesa
Por esse motivo, governos de todo o mundo montam sistemas de defesa
virtual, inclusive o Brasil. Desde 2008, o Ministério da Defesa prioriza
o desenvolvimento do setor e, no ano passado, o Exército criou o Centro
de Defesa Cibernética (CDCiber), para coordenar e integrar as ações das
três forças militares no ciberespaço. Entre as ações em curso, destaque
para o desenvolvimento de um antivírus nacional, que já possui 14 mil
licenças, e o investimento de R$ 5 milhões na construção de um simulador
de guerra cibernética.
A segurança durante os grandes eventos que serão realizados no país é
uma das preocupações do CDCiber. Para a Copa das Confederações, que
acontece em junho, serão montados Centros de Monitoramento Cibernético
em cada uma das seis cidades que abrigarão a competição.
- Nós estamos adquirindo todas as capacidades para oferecer aos
brasileiros e visitantes a proteção devida. Há mais de um ano estamos
nos preparando para a Copa das Confederações – afirma o coronel Luiz
Gonçalves, sub-chefe do CDCiber.
O CDCiber também atua nas missões de paz em que as forças brasileiras
estão envolvidas, como no Haiti. Em operações de combate reais, cabe ao
centro a proteção dos sistemas de comunicação. Segundo Gonçalves, entre
as atribuições, estão a montagem dos sistemas de defesa, exploração de
possíveis ameaças e a chamada defesa ativa.
- A política externa brasileira é defensiva, por isso nossa estrutura
é de defesa, não de ataque. A gente não pode se capacitar em técnicas
voltadas para atacar outros países, mas nós temos a competência. Para
testar a defesa do sistema, temos que simular ataques – explica o
coronel.